Na era da psicofarmacologia, marcada pelo surgimento das medicações psicotrópicas, atenção especial tem sido dada à elucidação de mecanismos de ação dos medicamentos, às interações entre eles, à neurobiologia dos circuitos cerebrais envolvidos nos diferentes transtornos psiquiátricos, a questões como a neuroplasticidade, a farmacogenômica e outros. No entanto, se por um lado o desenvolvimento da psicofarmacologia foi marcado por avanços no campo da neurociência, também se fizeram marcantes as dificuldades inerentes ao uso dos psicofármacos, como os efeitos colaterais das drogas e as dificuldades de adesão ao tratamento. Neste cenário, desenvolvem-se as técnicas de neuromodulação, visando à otimização de respostas clínicas por meio de estratégias terapêuticas e diagnósticas complementares.
Diferentes estudos têm sido apresentados no cenário científico internacional com o uso da neuromodulação para abordagem de transtornos neuropsiquiátricos. Em nosso meio, é atual a discussão desta temática, tendo em vista a recente regulamentação da Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) superficial no tratamento da depressão (uni e bipolar), das alucinações auditivas (esquizofrenia) e no planejamento neurocirúrgico.
Assim, o presente trabalho tem como objetivo apresentar e discutir os aspectos técnicos e clínicos que dão suporte à utilização terapêutica dessa técnica em nosso meio, cuja regulamentação foi realizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) no Parecer CFM no 37/11.
ASPECTOS TÉCNICOS E CLÍNICOS DA ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA (EMT)
VISÃO GERAL
Dentre as diferentes técnicas de neuromodulação, destaca-se a EMT como estratégia terapêutica para diferentes transtornos neuropsiquiátricos. Recentemente a técnica foi regulamentada em nosso meio.
TÉCNICA
Os princípios gerais da EMT baseiam-se na estimulação do córtex cerebral humano por meio de um campo magnético pulsante, de maneira indolor e não-invasiva. Uma bobina pequena, que recebe uma corrente elétrica alternada extremamente potente, é colocada sobre o crânio humano. A mudança constante da orientação da corrente elétrica dentro da bobina é capaz de gerar um campo magnético que atravessa alguns materiais isolantes, como a pele e os ossos, gerando a corrente elétrica dentro do crânio, onde é capaz de ser focalizada e restrita a pequenas áreas, dependendo da geometria e da forma da bobina (Hallet, 2000). Os efeitos da EMT podem transitoriamente interromper ou facilitar a rede neuronal, dependendo do padrão de conexões neuronais entre as diversas áreas cerebrais e as vias córtico-corticais e subcorticais que se pretende estimular (Pascual-Leone et al., 1999).
A EMT foi introduzida na pesquisa clínica e básica por Baker et al., em 1985, mostrando que, ao se colocar a bobina sobre a região escalpena próxima ao córtex motor, um movimento da perna e do braço opostos era produzido (Baker et al., 1985). Desde essa época, vários autores têm utilizado essa técnica não-invasiva para mapear e estudar o córtex humano, tanto normal como patológico.
O princípio geral envolvido na técnica de EMT decorre da constatação física de que uma corrente elétrica variável (como a que passa por dentro de uma bobina) produz um campo magnético variável, que por sua vez, induz nova corrente elétrica em materiais condutores. (Kirkcaldie et al., 1997). A bobina magnética é colocada sobre a região escalpena a ser estimulada. O campo magnético decorrente é perpendicular à direção da corrente elétrica que o produz. No caso de uma bobina circular, o campo magnético é mais forte próximo à circunferência externa da bobina e mais fraca próximo ao centro; não há campo magnético no ponto central da bobina (Hallet, 2000). O campo magnético pode ativar neurônios a uma profundidade de 20 mm a 30 mm e a uma área de 30 mm de comprimento por 20 mm de largura a partir da superfície da bobina, alcançando, desse modo, a superfície branca mais externa na transição com o córtex, e ativando, portanto, tanto a substância branca quanto a cinzenta dos giros mais superficiais (Bohning, 2000).
A forma da bobina é responsável pelas características do campo magnético. Existem diferentes formatos de bobina, com diferentes resultados sobre a distribuição da corrente induzida. As bobinas circulares são relativamente poderosas. As bobinas em formato de oito (dois círculos com uma intersecção entre eles) são as mais freqüentemente usadas por produzirem um campo magnético mais focal, dando um controle maior sobre a área estimulada (Hallet, 2000).
O limiar motor (LM, ou motor threshold – MT), isto é, a mínima energia requerida pela EMT para produzir uma reação motora observável, varia de acordo com o sujeito. O LM é definido como a intensidade de estímulo mínimo para produzir, a partir de dez estimulações consecutivas, cinco potenciais maiores que 50 mV no músculo abdutor breve do polegar contralateral na eletroneuromiografia, administradas a 0,2 Hz (Rossini et al., 1994). Mesmo quando a região cortical a ser estimulada não é o córtex motor, o limiar motor é um nível de referência adotada pela maioria dos estudos de EMT, por ser confiável e facilmente determinado.
Existem dois tipos de EMT: a EMT de pulso único e a EMT repetitiva (EMTr ou repetitive transcranial magnetic stimulation – rTMS). A EMT de pulso único foi a primeira a ser desenvolvida. Nesse caso, em cada aplicação, uma corrente única é levada ao córtex.
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