Mitos, fatos e dúvidas da psiquiatria e da psicologia

 

1) Psiquiatra é médico de louco.

 

De fato o psiquiatra atende a pessoas cujas doenças se manifestam popularmente como “loucura”, mas estes pacientes representam uns 5% de todos os pacientes psiquiátricos, que são de longe muito menos frequentes que os paciente com transtornos de ansiedade, depressivos e dependência química por exemplo.

Não se justifica portanto taxar o psiquiatra como o médico de louco a partir da minoria de seus pacientes. Esse tipo de crença popular é extremamente danoso para os demais 95% dos pacientes psiquiátricos que precisam desse atendimento e até chegarem ao consultório psiquiátrico pela primeira vez sofreram verdadeiras torturas mentais impostas pelas pessoas ignorantes que ficam dizendo que psiquiatra é médico de louco, e seria melhor procurar um neurologista que é médico de nervos.

Neste ponto cabe uma observação: A psiquiatria como especialidade médica é na verdade uma parte da neurologia, a parte que trata dos transtornos de pensamentos, emoções e comportamento enquanto a neurologia trata dos movimentos, das sensações, das coordenações, dos sentidos e outras funções corporais.

 

2) Remédios psiquiátricos são perigosos e viciam.

 

Temos aqui um típico preconceito por generalização. Há remédios psiquiátricos que apresentam riscos e devem ser acompanhados com cuidado, como acontece em toda a medicina. Porém 90% dos psicofármacos são seguros. Os tranquilizantes viciam de fato mas ninguém fica preso aos tranquilizantes por causa disso, ao contrário do que a maioria pensa, inclusive muito médicos.

O termo dependência é um termo pesado, usado para situações graves como o alcoolismo, dependência à cocaína injetável, etc. A dependência induzida pelos tranquilizantes é 100% reversível, basta que a medicação seja retirada gradualmente. A grande confusão que é que quanto a cronicidade (permanência prolongada) dos sintomas que os tranquilizantes tratam como a ansiedade. Os transtornos de ansiedade frequentemente duram décadas ou toda a vida e quando um paciente obtém os benefícios com a eliminação dos sintomas e posteriormente experimentam retirar o tranquilizante e recaem dos sintomas logo são acusados de estarem dependentes quando na verdade houve uma recaída, ou retorno dos sintomas de ansiedade.

É muito difícil diferenciar os sintomas da recaída de ansiedade dos sintomas da abstinência aos tranquilizantes, mas nessas situações a culpa é sempre do remédio, ainda que não seja possível provar. A dependência é única preocupação relevante quanto aos tranquilizantes (remédios de tarja preta). Os antidepressivos apresentam certos perigos. Os do grupo dos tricíclicos podem levar a fatalidade quanto tomados em mega doses, já os inibidores seletivos da recaptação da serotonina não são letais mesmos em mega doses. Alguns antipsicóticos podem provocar problemas na condução elétrica do coração, o que só é preocupante em cardiopatas, pessoas sem problemas cardíacos não há maiores problemas. Há um antipsicótico que há 30 anos atrás foi relacionado há diversas mortes por inibição das células de defesa e retirado do mercado. Reintroduzido no mercado sob cuidados extremos, não provocou o mesmo efeito, pelo menos no Brasil em dez anos não nenhum relato.

 

Crianças não podem tomar psicofármacos.

Podem sim, e se beneficiam muito quando precisam deles. No entanto a maioria dos psicofármacos não foi estudada para crianças por isso recomenda-se não usá-la antes que sejam feitos os devidos testes. O fato de uma criança ter precisado de um psicofármaco não significa necessariamente que seja mais grave ou que tenha um futuro menos promissor que outras crianças de sua idade.

 

 

3) Tratamento com Choque elétrico (ECT).

 

O tratamento com choque elétrico pela psiquiatria não está ultrapassado e é o maior exemplo das consequências que um tratamento pode ter devido à histeria social que se criou em torno desse assunto. Atualmente muitas pessoas acham que o ECT não é mais usado, quando era usado era somente um castigo imposto aos doentes mentais como se isso fosse uma coação feita à animais enjaulados. A eletroconvulsoterapia não é um tratamento bonito nem apreciável, assim como não é nenhuma cirurgia, procedimento caracterizado pela indução anestésica (estado de coma), abertura da pele por instrumento cortante, perda de sangue, risco de infecção além dos riscos inerentes de cada cirurgia.

Faz-se muitas cirurgias estéticas simplesmente para se ficar mais bonito e às vezes o procedimento não dá certo e a pessoa morre ou fica com alguma sequela. Apesar disso não há rejeição social contra as cirurgias que são muito mais perigosas que o ECT, e algumas vezes muito menos necessárias que um ECT. Desde o princípio sabe-se que o ECT é um tratamento seguro ao contrário de certas medicações que apresentam riscos. Levantamentos de décadas mostraram um índice de letalidade menor do que das medicações (psiquiátricas ou não).

A incidência de efeitos colaterais do ECT é menor que das medicações. Estudos realizados com pacientes submetidos ao ECT mostrou que 80% deles não apresenta nenhuma rejeição ao tratamento e o fariam novamente. A utilização na depressão é superior por conseguir tirar um paciente do quadro depressivo mais rapidamente. Presenciamos um processo de elitização do ECT, que está sendo retirado do sistema público de saúde e ficando apenas no sistema particular que cobra cada aplicação o preço de um pequena cirurgia.

O ECT continua sendo muito usado no mundo todo, principalmente nos países desenvolvidos, continuam surgindo publicações comprovando a apresentando vantagens deste tipo de procedimento médico.

Perante tantas vantagens porque o ECT é tão rejeitado?  Há pelo menos 3 principais fatores:

1- mau uso pelos profissionais (médico e enfermeiros) que ameaçavam os paciente com o choque, coisa que funcionava apenas como efeito desmoralizante uma vez que quando aplicado corretamente é indolor. 

2- “denúncias” provenientes dos próprios pacientes quando estes queriam simplesmente provocar alvoroço porque se consideravam injustiçados, incompreendidos e forçadas a “se tratar”. A psiquiatria é a única especialidade médica na qual o paciente muitas vezes não tem competência para avaliar seu estado mental, mas mantém certa capacidade de comunicação. Enormes mal-entendidos provenientes desse tipo de situação geraram até movimentos anti-psiquiátricos, como se fosse possível protestar contra doenças fazendo dos médicos os criadores dos males mentais.

3- O terceiro fator é a mídia. Filmes, peças teatrais, livros e outros meios de comunicação geraram na população geral uma visão distorcida e errada a respeito do ECT e de outros aspectos da psiquiatria também.

 

4) Hospitais Psiquiatricos são desnecessários.

 

A percentagem dos paciente que necessita de internação é pequena mas para esta o recursos da internação não pode faltar. Socialmente fica bonito falar em fechamento dos hospitais psiquiátricos que têm sido pejorativamente tratados como manicômios, como se a doença mental tivesse sido domada pelas próprias medicações que são tão rejeitadas pela mesma sociedade.

Os psicofármacos fizeram de fato uma revolução na psiquiatria, mas não conseguiram resolver todos problemas. Há pacientes psicóticos crônicos que não respondem às medicações e são violentos, pondo em risco a si e seus familiares. Hà pacientes com retardo mental com elevado grau de agressividade. Há casos em particular que uma internação é inevitável.

Além disso há também a realidade brasileira da pobreza e da miséria. Como uma família pobre, que tem criança, idoso ou portador de alguma deficiência física em casa pode lidar com uma pessoa que não vê problema em procedimentos de risco. As famílias dos doentes mentais nessas circunstâncias, se não obtêm apoio estatal ou abandonarão o doente à sua própria sorte, que se tornarão mendigos, ou se desintegrará como família, tal o sofrimento trazido pelo comportamento do paciente psiquiátrico.

Nessas famílias os membros saudáveis muitas vezes têm sua vida impedida de seguir num rumo saudável e próspero porque a doença do paciente psiquiátrico consome todos os recursos dessa família. Há casos em que não é possível sequer, o paciente tem alta porque as condições sociais da família do doente mental não são suficientes nem para si mesmo, menos ainda para amparar o filho doente dessa família. Como pensar em fechar os hospitais psiquiátricos na crua realidade brasileira?