Simbiose Mãe e Filho – “Vampirismo”
Simbiose é o fenômeno que se dá quando um dos indivíduos utiliza dois estados de Ego e o outro apenas um. A Simbiose inibe a capacidade de desenvolvimento de ambos. Segundo Schiff, (Passividade, in: Prêmios Eric Berne):
“A simbiose é uma condição normal no estágio oral de desenvolvimento da criança. É vivida por ambos, mãe e filho, como o fundir ou compartilhar de suas necessidades”, (p. 41)
Assim sendo, trata-se de uma necessidade que garante a sobrevivência da criança até que ela tenha condições de tornar-se independente como indivíduo capaz de resolver seus próprios problemas. A patologia (simbiose patológica, segundo a autora), resulta de perturbações na relação simbiótica natural ou de indiferenciação entre a criança e a mãe, tais como negligência e superproteção ou em circunstâncias onde os pais não possuem condições adequadas para preparar o filho para funcionar como pessoa independente, capaz de resolver seus próprios problemas.
Segundo a autora, os Jogos Psicológicos desenvolvem-se à partir de relações simbióticas não resolvidas, utilizando mecanismo de desqualificação para se manter e de grandiosidade como justificativa para a manutenção da simbiose. A desqualificação é um mecanismo que é deflagrado por um diálogo interno que incapacita o indivíduo de agir sobre determinados aspectos da realidade em si mesmo, no outro ou no meio. Ou seja, o indivíduo pode desqualificar em três áreas: ela mesma, os outros ou a situação, e, de quatro modos em cada uma delas: a existência do problema, o significado do problema, a possibilidade de resolução do problema e a própria pessoa.
A grandiosidade, que envolve um exagero (minimização e /ou maximização), é utilizada como justificativa para a manutenção da simbiose. A grandiosidade “evita” que o indivíduo assuma responsabilidades por determinados comportamentos em situações específicas, ele a descreve como sendo a responsável pelo seu comportamento. Schiff (Passividade, in: Prêmios Eric Berne), identifica quatro comportamentos passivos: não fazer nada, sobre-adaptação, agitação e incapacidade ou violência. Estes comportamentos o indivíduo utiliza para estabelecer ou manter a simbiose, cujas respostas a eles são também simbióticas.
Segundo Woollams e Brown, há um relacionamento especial entre o pai primitivo e o bebê, que eles chamam de “dependência normal”, em que não há necessidade da mãe e nem o filho desqualificar nenhum de seus estados de Ego para que haja autonomia do filho à medida que ele vai amadurecendo. Woollams e Brown comentam que a base da simbiose se estabelece, que por sua vez constituem relacionamentos patológicos, quando a mãe não satisfaz as necessidades de sua própria criança e isto acarreta uma sensibilidade excessiva às necessidades do filho. Ou seja, à medida que o filho se desenvolve ela continua a provê-lo, sem ensinar e permitir que ele próprio se cuide. Com isso, o filho não tem a oportunidade de desenvolver e executar seus estados de Ego Adulto e Pai. Quando cresce, irá manipular terceiros com a finalidade de obter a satisfação de suas necessidades.
Outras vezes, o filho aprende a assumir o papel original, da mãe, na simbiose, continuam os autores. Como por exemplo, se ele sentir oprimido, poderá optar por excluir o seu próprio estado de Ego Criança, utilizando os estados de Ego Pai e/ou Adulto para se proteger. Ou ainda se a mãe, de tanto desqualificar as suas próprias necessidades e carências, resolve “inverter os papéis”, recusando-se a cuidar do filho em detrimento de suas próprias necessidades. Nesse caso, o filho tomará conta da mãe, desqualificando as suas próprias necessidades (da Criança).
A principal vantagem diz respeito a Simbiose Primária Resolvida (Kertész) ou “dependência normal” (Woollams e Brown) ou Simbiose Natural (Schiff) em que a mãe, sem desqualificar seus estados de Ego, cuida adequadamente do bebê, permitindo que este se desenvolva adquirindo autonomia. Outra vantagem, é quando a simbiose for estabelecida conscientemente, ou seja, no caso dos trabalhos desenvolvidos por Schiff, em que ela própria “entra na simbiose” com o cliente para conseguir reparentalizá-lo, e posteriormente ir rompendo-a gradativamente sobre controle.
Sua principal desvantagem é quando tratar-se de simbiose patológica, ou seja, aquela em que de um lado um indivíduo desqualifica seu estado de Ego Criança e o outro desqualifica seus estados de Ego Pai e Adulto, tendo em vista que a desqualificação é anti-vida.
Tipos de simbiose
Kertész (Manual de Análisis Transaccional), descreve três tipos de simbiose:
Simbiose Primária Resolvida – é quando a simbiose natural do bebê com a mãe vai se desfazendo gradativamente até a adolescência, época em que o filho tem condições de manejar seus estados de Ego (PAC) com autonomia, possuindo permissão para ser ele mesmo;
Simbiose Primária Não Resolvida – se por exemplo, a mãe age de maneira a superproteger o filho, não permitindo o desenvolvimento completo de seus estados de Ego Pai e Adulto, impedindo o rompimento da simbiose natural, o que acarretará a tendência de continuar, durante a vida, reproduzindo a estrutura de relação simbiótica não resolvida com a mãe. O mandato básico, “não cresça”, servirá de apoio para a tendência do indivíduo repetir a relação de dependência que teve com a mãe com outras pessoas similares a ela (chefe, esposa/marido, etc.).
Simbiose Secundária – onde a mãe necessita da proteção do filho, muito embora ele seja ainda pequeno. O mandato básico “Apressa-te a crescer” faz parte das mensagens parentais (no caso, da mãe) em que o filho apoiará, para mais tarde atuar na simbiose usando seus estados de Ego Pai e Adulto.
Schiff (Leitura do Cathexis) descreve dois tipos de relacionamento simbiótico:
O primeiro deles leva em conta o aspecto estrutural e o segundo o aspecto funcional.
Aspecto estrutural – é quando os relacionamentos resultantes são competitivos ou são complementares, caracterizando dois tipos de simbiose: competitiva e complementar.
Simbiose competitiva – é quando cada um dos indivíduos está competindo pela mesma posição na simbiose
É o caso de uma criança dependente, onde poderá haver com freqüência uma progressão de raiva, agitação, incapacitação, etc.
Simbiose complementar – é quando ambos os indivíduos concordam com suas posições mútuas.
Segundo a autora (Leitura do Cathexis) na relação simbiótica competitiva, o objetivo da escalada é definir qual das partes conseguirá a posição que é considerada mais favorável por ambos, quando o relacionamento complementar for estabelecido.
Na simbiose estrutural de primeira ordem, continua a autora, ambos os indivíduos no relacionamento ou excluem totalmente alguns estados de ego ou desqualificam alguns aspectos de um estado de ego. Esse relacionamento se dá através de contaminação ou através de exclusões.
No caso da simbiose competitiva, ambos percebem a mesma posição como sendo preferível para definir a realidade. Nesse caso, cedo ou tarde, um cederá ou ambos renunciarão ao relacionamento.
Simbiose de segunda ordem – Segundo Schiff (Leitura do Cathexis) a simbiose estrutural de segunda ordem é mais importante do que uma de primeira ordem. Diz que tanto o tipo competitiva como o complementar podem ser utilizados para a simbiose estrutural e que cada uma delas é fixada na infância do indivíduo.
A autora (Leitura do Cathexis) cita o exemplo das mães que exigem que os filhos atendam às necessidades delas. Nesse caso, quando eles acreditam que deviam realmente atender esses desejos da mãe para sobreviver, poderá levar a um desenvolvimento acelerado de A1 e P1, ocorrendo inicialmente um relacionamento como diagramado abaixo:
Aspecto funcional – esse tipo de simbiose ocorre, segundo Schiff (Leitura do Cathexis), quando os indivíduos decidem que a função é mais importante do que estados de ego. Diz a autora que nesse caso pode ser de maneira moderada ou de uma maneira rigorosa. Acrescenta que os papéis do sexo masculino e feminino são, em geral, uma variação branda. Cita um exemplo: “como homem desta casa, ficarei fora da cozinha, e como mulher, você ficará fora da oficina”. Isso pode ser traduzido mais ou menos assim: “posso usar o meu Adulto na oficina, mas não cozinha. Você pode usar o seu Adulto na cozinha, mas não na oficina”, p. 12. Acrescenta a autora que um exemplo de variação extrema é o caso de uma estrutura familiar maníaco-depressiva.
Manejo terapêutico e um exemplo prático
Lidamos com a simbiose, em nosso trabalho clínico, confrontando constantemente a desqualificação, cruzando transações quando adequado, dando carícias positivas aos comportamentos OK e carícias negativas, por exemplo desaprovação, aos comportamentos passivos, de modo a evitar que o cliente entre em jogos e atue em simbiose conosco. Outro aspecto que procuramos ficar atentos ao lidar com o processo simbiótico de um cliente é não agir passivamente com o mesmo, pois isto resultaria em reforçar a sua patologia.
Cliente do sexo feminino, 36 anos, solteira.
Queixa: dificuldade no relacionamento com a sua chefe.
Histórico: Filha mais velha, tem um irmão de 25 anos de idade que atualmente está usando drogas (há suspeita de que está traficando também).
Viveu com os pais até os 19 anos, época em que saiu de casa e foi para a “cidade grande tentar a vida”. Os pais se separaram quando ela tinha 6 anos de idade (atualmente o pai voltou a viver com a mãe). Diz que amava muito o seu pai e por isso sentiu muito com a separação, pois passou a viver somente com a mãe que a cobrava muito. Diz que até hoje não aguenta olhar para a mãe, pois é como se ela tivesse cobrando dela o tempo todo algo que ela não fez.
Acredita que sua mãe não gosta dela porque ela sempre defendeu o pai. Quando a sua mãe falava mal dele ela o defendia. Disse que saiu de casa fugindo e jurou que nunca mais iria voltar a morar com a mãe. Até hoje apenas se falam, mas guarda muita mágoa dela.
Afirma ter lutado muito para sobreviver sozinha e para terminar os seus estudos. Há dez anos trabalhou como professora e há três foi aproveitada no (……) como assessora de diretoria em uma instituição ligada à Secretaria de ……. Diz que quando começou seu trabalho como assessora, se dava maravilhosamente bem com sua chefe. Sua chefe é uma senhora de 65 anos de idade, solteira, sem filhos e mora sozinha. Disse que encontrou nela uma mãe que nunca teve. Disse que na maioria das vezes passavam o final de semana juntas, passeando, viajando, etc. Era como se fosse da família.
Tudo começou quando ela arrumou um namorado e confidenciava para ela (chefe) tudo o que acontecia na relação com ele. A partir de determinado momento começaram a se desentender. Sua chefe começou a dar palpites em sua vida… começou a não lhe dar atenção… notava que ela a tratava friamente. Começou a fazer de tudo para reverter a situação. Até terminou o namoro, mas não adiantou nada. Sua chefe cada vez mais a ignorava. Reclama que atualmente faz de tudo no trabalho para ser reconhecida, pelo menos como boa profissional que é, mas sua chefe está cada vez mais distante dela, só faz criticá-la. “Disse outro dia que eu estou doente e que precisava me tratar. Fiquei uma arara com ela”, comentou a cliente.
Disse que ultimamente está completamente sem ânimo para fazer as coisas, sente-se muito só, não tem namorado e nem amigos. Fica angustiada com tudo isto. Diz que não sabe mais o que fazer para reverter a situação com a sua chefe e ao mesmo tempo sente muita pena dela, pois ela é uma senhora sozinha… Disse ter dificuldades em gostar de seus namorados. Começa tudo bem, dali a pouco… vai ficando de saco cheio e termina. Normalmente é ela quem toma a iniciativa de terminar o namoro.
A cliente, apresentava inicialmente um pensamento confuso e um profundo sentimento de desconforto com a situação entre ela e sua chefe. Buscava compensar isto fumando e bebendo desesperadamente, freqüentando locais agitados como boites localizadas em zonas de prostituição, shows de travestis e lésbicas, etc. Em seu trabalho vivia “correndo” de um lado para outro, mas na realidade não produzia quase nada de concreto. Ficava claro que grande parte de suas atividades era sem propósito, sem um objetivo aparente.
Tais atividades evidenciava um Comportamento Passivo de Agitação que estava sendo usado na tentativa de defender a simbiose contra a ameaça de rompimento pela sua chefe. Este Comportamento Passivo de Agitação estava na eminência de se transformar em um Comportamento Passivo de Violência, pois a cliente relatou que chegou a “explodir” algumas vezes em seu trabalho, faltando muito pouco para “esganar” quem estivesse em sua frente, Chegou inclusive a chutar a parede, quase fraturando o dedo do pé.
Inicialmente atuamos como pai da cliente, com o intuito de diminuir o fluxo da energia, antes que fosse descarregada, conforme vinha fazendo. Isto facilitou a restauração de um Comportamento Passivo mais favorável, que foi a Super Adaptação, onde foi possível iniciar alguns trabalhos de Parentalização. Durante esta fase do tratamento algumas vezes a cliente ligou-nos de seu trabalho pedindo orientações de como proceder em algumas situações. Procuramos orientá-la, com cuidado nessas situações, pois com este procedimento reforçamos ainda mais nossos vínculos oriundos da Super Adaptação.
A partir daí os trabalhos foram intensificados no fornecimento de dados e confrontações. Todas as Transações Tangenciais e Bloqueadoras foram firmemente confrontadas, dificultando assim, qualquer desqualificação. Nesta época convidamos a participar de um curso 101 (Curso Introdutória de AT) que foi muito proveitoso no andamento dos trabalhos terapêuticos. Procuramos recorrer à algumas técnicas de Ecologia Humana para descarregar a energia acumulada provenientes de situações traumáticas da infância. As técnicas utilizadas pela Ecologia Humana não tem nada de novo, ou extraordinário, o que há de novidade (pelo menos para nós) é o como são aplicadas. É um processo de individualização que devolve ao indivíduo toda a responsabilidade pelo seu SER, que não entraremos aqui em maiores explanações. Acrescentamos apenas, que o uso de tais técnicas possibilita trabalhar diretamente o Script do indivíduo, ou melhor dizendo, permite colocá-lo em CAUSA ( fora do Script), ao invés de mantê-lo em EFEITO (dentro do Script).
Após este enfoque nos trabalhos terapêutico percebemos que o Adulto da cliente fortaleceu de tal modo que ela passou a resolver com êxito seus problemas profissionais com a sua chefe, parou de fazer jogos do tipo “Se não fosse por você” ( o que fazia com muita freqüência com a sua chefe). Ao invés disto, passou a se relacionar dentro de seu papel profissional, começou a freqüentar ambientes agradáveis como festas e reuniões em casas de amigos. Começou a namorar e fazer planos para o futuro. O mais importante, naquele momento, foi a decisão de fazer uma viagem para visitar a sua mãe. Segundo ela, pela primeira vez havia sentido saudades de sua mãe (lembrando que elas mal se falavam). Continuamos nosso trabalho terapêutico por mais ou menos quatro meses, época em que após muita dedicação, conseguiu uma bolsa de estudos na Europa, onde permanece até o presente.
Acreditamos que a simbiose tenha se rompido por completo. Acreditamos, ainda, que os trabalhos de descargas energéticas teve um papel importante no desencadeamento de fechamentos de ciclos abertos no passado (Ecologia Humana), ou seja, facilitou o fechamentos das Gestalts primárias que estavam incompletas, ou ainda em linguagem transacional, foram feitas Redecisões atuando no Sistema de Crenças que possibilitaram a mudança do Sistema NOK para o Sistema OK.
Bibliografia:
1 – Schiff, J. L. e Schiff, A. W. “Passividade”, in: Prêmios Eric Berne.
2 – Schiff, J. L. Análise Transacional – Tratamento de Psicoses – Leitura do Cathexis; 1986; Apostila adquirida na UNA T- BRASIL, no Congresso Nacional de 1993 em Vitória – ES.
3 – Woollams, S. e Brown, M. Manual Completo de AT, Ed. Cultrix, São Paulo, 1979.
4 – Kertész, R. Manual de Análisis Transaccional, Editora Conantal, B. Aires.